segunda-feira, 5 de julho de 2010

ARTIGO DE PABLO CAPISTRANO/Copa 2010

Poderia ter sido pior.


Pablo Capistrano


Escritor, professor de filosofia do IFRN.
www.pablocapistrano.com.br



Não sou adepto de doutrinas polianescas, daquelas que justificam as misérias da vida com um discurso “poderia ter sido pior”. Também não acho, como o velho Leibniz, que este é o melhor dos mundos possíveis. Não precisei ler o Cândido de Voltaire para saber que, nesse mundo, nem sempre os justos são felizes e que muitas vezes os puros de coração são destroçados pelos canalhas. No entanto, tenho que admitir depois da eliminação do Brasil para a Holanda nas quartas de final dessa Copa: “poderia ter sido pior”.
Nós poderíamos ter ganhado essa copa! Sim, imagine o que aconteceria se o Brasil fosse campeão derrotando, por exemplo, a Espanha, ou a Alemanha!!
Conta-se nas crônicas do futebol que duas seleções foram responsáveis por um tipo de crime bastante conhecido no mundo da bola: “o futibocídio”. Em 1954, por exemplo, a maravilhosa seleção Puskas foi derrotada debaixo de chuva pelo futebol pragmático do alemão Fritz Walter. A Alemanha, aliás, que é a maior das futibocídas da história, uma espécie de serial killer do futebol arte, poderia ser vítima essa copa de seu próprio veneno. A Hungria de 1954, a Holanda de 1974, a França de Platini e Tiganá que encantou o mundo em 1982. Todas essas seleções foram vítimas do pragmatismo germânico, da mecânica de um jogo que parece com futebol e que surpreendentemente funciona. Nós, brasileiros, fomos vitimas de outro futebocida. Em 1982 fomos abatidos pela Itália de Paolo Rossi.
O catenaccio italiano, posto em prática em 2010 por uma cosmopolita Internazionale de Milão, e elevado a paradigma do futebol de resultados pelos obtusos da bola, foi, para nós, o grande carrasco do futebol brasileiro pós 1970. Os próprios italianos reconhecem seu estilo e assumem sua posição de carrascos do futebol arte. O escritor italiano Ignácio Taibo costumava a dizer: “o catenaccio é a antiliteratura”. Jogando com um zagueiro na sobra, atrás de um muro de quatro homens plantados na defesa, o estilo futibocida dos italianos se baseava na ideia de que um time precisa jogar sem a bola, marcando e reduzindo os espaços do oponente de modo a, em um vacilo, roubar a pelota e ligar um contra ataque rápido através de lançamentos longos ou da velocidade de seus laterais.
Qualquer semelhança com o futebol da seleção de Dunga não é mera coincidência. O Brasil esse ano abdicou de algo que os Argentinos e os Espanhóis (até, de certo modo, os alemães de 2010!!!) sabem muito bem o que é. O futebol sul americano se firmou no mundo com um conceito oposto ao dos futebocidas europeus: manter a posse da bola, tocar, tocar, tocar, defender com a bola nos pés e atacar sempre. Assim o Brasil foi tri campeão mundial (podemos imaginar também que a copa de 2002 teve muitos momentos desse velho estilo de jogar), assim perdemos a copa de 1982 e 1986 e assim o Brasil se formou uma Seleção mítica.
Construímos nossa literatura futebolística com esse tipo de poesia que hoje outros times parecem tentar imitar. Imaginem o que aconteceria se encontrássemos um time na final, jogando desse modo, e fossemos campeões contra nosso próprio estilo de jogo? Em um futebol globalizado, em que as seleções se tornam todas iguais, flutuando em uma mesma mediocridade criativa e em uma covardia futebolística fundamental o Brasil sempre foi o diferencial. Nós éramos isso, nós tínhamos essa característica, esse romantismo que se configurava magicamente em nossos pés em resultados.
Há uma falsa discussão no Brasil, que diz que só há duas soluções para o futebol brasileiro: perder jogando como em 1982 ou ganhar jogando como em 1994. Essa é uma discussão suicida. Esquecemos que podemos de novo ganhar como em 1970. Cristalizamos 1970. Sacralizamos tanto aquela Seleção que acreditamos piamente ser impossível repetir aquilo. Esse é o nosso erro, a nossa mais desconcertante ironia: não sabemos mais como imitar a nós mesmos. Se a Seleção de Dunga ganhasse iriam surgir vozes na imprensa dizendo “O nosso futebol é prosa, não é poesia” (parafraseando o técnico italiano Giovanni Trapattoni). Me chame de porco multicuralista, eu não me importo. Ser patriota não é torcer pela Seleção brasileira, ser patriota é torcer pelo futebol que se joga no Brasil, uma marca de identidade que nos faz ser aquilo que nós somos e que de vez em quando amamos nos esquecer.

Um comentário:

  1. Olá Pablo!

    O artigo que você enviou para o meu e-mail estou publicando aqui no meu blog. Espero que goste! Valeu!
    Abraços,
    Jóis Alberto

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