segunda-feira, 13 de julho de 2009

CRÔNICA – Dos cinemas de bairro ao multiplex

Poéticas da arte e indústria do cinema

Jóis Alberto

Quando uma criança vai pela primeira vez ao cinema, na atualidade, geralmente isso ocorre em Shopping Center, em salas multiplex muito confortáveis, para assistir as mais recentes superproduções, tanto em desenho animado, como em filmes. Mas houve uma época em que meninos e meninas descobriam a sétima arte freqüentando pequenos cinemas de bairro. Nos anos 60, quem viveu a infância no bairro natalense do Alecrim contava com alguns cinemas desse tipo, dentre os quais o melhor era o Cine São Luiz, cuja fachada eu conheci, embora nunca tenha assistido a uma sessão ali. Eu passava em frente ao São Luiz, quando ia com minha irmã, minha mãe ou meu pai para a Base Naval de Natal, a tratamento de saúde e lazer.
Foi no cinema da Base Naval, por volta de 1967, aos sete anos de idade, que vi um filme pela primeira vez: era um desenho animado de Disney ( não me lembro se vi primeiro “Branca de neve e os sete anões” ou “Pinóquio”...). Meu pai era funcionário civil da Base, trabalhando lá como marceneiro. A Marinha distribuía carteiras para os funcionários e dependentes freqüentarem o cinema. Fui a uma sessão noturna. São poucas as recordações desse dia, mas algumas reminiscências me acompanharam ao longo dessas mais de quatro décadas: o feixe da luz azulada e branca que saía do projetor para a tela; e “Pinóquio” no telão... Desde então aprendi a admirar o talento de Walt Disney, que apesar de, na vida real, politicamente ter tido posições muito reacionárias, ainda hoje eu concordo com a opinião geral: a obra artística deixada por ele continua sendo a de um dos maiores gênios da história do desenho animado. Criador de desenhos que são verdadeiras relíquias desse gênero, como os mencionados “Branca de Neve e os sete anões” e “Pinóquio”, além de “Dumbo”, “Fantasia” e “Mary Poppins” – neste, como se sabe, são usados simultaneamente desenho e atores, Disney ainda hoje, inegavelmente, continua sendo um dos gênios também das histórias em quadrinhos made in EUA, com Mickey, Pateta, Pato Donald, Zé Carioca... Depois, com o livro famoso de Ariel Dorfman e Armand Mattelart, “Para ler o Pato Donald”, que eu li no início dos anos 80, no curso de jornalismo da UFRN, passei a ver a influência dessa cultura de outra maneira, mas isso é outra história... Aliás, essa visão mais crítica surgiu bem antes da leitura desse livro, já que ainda na adolescência conheci HQ críticas, inclusive dos próprios EUA, como as pioneiras histórias de “Ferdinando” de Al Capp, depois, vindo da Argentina a “Mafalda”, de Quino, sem contar “Pererê”, de Ziraldo; os cartuns de Henfil, Nani no “Pasquim”; e ainda dos EUA a revista MAD e os desenhos do americano Robert Crumb na imprensa underground (via imprensa underground brasileira).
Quando minha família se mudou da Vila Naval, no Alecrim, para o conjunto residencial Potilândia, no bairro de Lagoa Nova, em 1969, eu voltei a assistir a alguns filmes em exibições gratuitas: uma sessão com documentário sobre lançamentos de foguetes americanos, no Sesc – os norte-americanos ainda não haviam pisado pela primeira vez no solo da lua, o que viria a ocorrer alguns meses depois; assisti ainda a outra sessão ao ar livre, com um filme religioso católico... Cheguei a freqüentar também algumas sessões num cinema popular que havia num galpão da av. 8 – não me lembro do nome do estabelecimento, porém me recordo de alguns filmes e cartazes: Tarzan, fitas de bang bang com Giuliano Gemma... Eu cheguei a conhecer o cine São Sebastião, um outro cine poeira do Alecrim da época e que se localizava na av. 10, mas só assisti por lá a duas ou três sessões...
Depois disso, ao me mudar com a minha família para o Rio de Janeiro, na adolescência assisti a algumas fitas de James Bond e, por volta dos 16 anos, os longas de karatê de Bruce Lee e a um filme erótico que marcou época no Brasil dos anos 70: Emanuelle! Aos 18 anos, voltei a morar em Natal. Comecei a freqüentar a vida noturna e, no roteiro de arte, cultura e lazer da época, um dos meus lugares prediletos era o Cine Clube Tirol (atualmente Cine Clube Natal), que então estava funcionando em dependência do prédio da Fundação José Augusto, no bairro de Petrópolis. Algum tempo depois o Cine Clube Tirol foi transferido para o auditório do Centro de Turismo. Foi nessa época, entre o final dos anos 70 e início da década de 80, que assisti aos primeiros filmes de arte. Além do cine clube, houve também uma boa iniciativa do Sindicato dos Bancários, na gestão do bancário e poeta Horácio Paiva, que promoveu sessões de cinema de arte no cine Rio Grande, no bairro da Cidade Alta, centro.
Foi no Cine Clube Tirol onde, por exemplo, assisti pela primeira vez ao “O Encouraçado Potemkim”, do grande diretor russo Sergei Eisenstein. Apesar de o filme abordar incidente ocorrido na insurreição de 1905 – e não propriamente na revolução soviética de 1917 –, mas como estávamos nos tempos da ditadura militar brasileira, confesso que assisti, com temor e preocupação, a esse e a outros filmes políticos exibidos no cine clube. Embora fosse o tempo de abertura política no Brasil, que permitiu um pouco mais de liberdade, por outro lado o medo e a paranóia infelizmente ainda faziam parte do cotidiano de muitos brasileiros, porque a extrema direita e os militares da linha dura ameaçavam, a todo momento, retrocesso político, como os jornais daqueles tempos noticiavam com muita freqüência. Felizmente, tanto no Brasil, quanto no exterior – até mesmo com o governo democrático de Jimmy Carter, nos EUA -, as pressões por liberdade política e por um pleno restabelecimento da democracia aumentavam a cada dia. Um dos momentos mais significativos desse contexto ocorreu em 1979, ano da anistia política, que permitiu liberdade para os presos políticos no Brasil e o retorno dos exilados, como Luis Carlos Prestes, Leonel Brizola, Fernando Gabeira..., para citar os nomes mais conhecidos dentre os que se destacavam no noticiário da época.
Da sessão do cinema de arte do Cine Rio Grande, me lembro de ter assistido, dentre outros, ao longa “Esse obscuro objeto do desejo”, de Buñuel, um dos cineastas que desde então figura entre os meus prediletos. Nessas ocasiões, cheguei a vender alguns exemplares do meu livro de poesia editado em mimeógrafo, “Trabalho de Poeta”, para eventuais compradores que estavam na fila do cinema. Mas isso – as peripécias, erros e acertos da chamada geração da poesia marginal ou de mimeógrafo – também é outra história, que brevemente pretendo abordar aqui no blog.

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