sábado, 8 de agosto de 2009

CRÔNICA/Texto de Luiz Gonzaga Cortez

Candelária tem boêmios que gostam de poesia

Luiz Gonzaga Cortez


No bairro de Candelária, zona sul de Natal, há dezenas de bares e botecos, lanchonetes e mercearias para todos os gostos e preferências dos seus moradores. Intensa vida noturna. Diversos boêmios e tipos folclóricos gravitam e/ou curtem o conjunto construído em 1975. Há bares que funcionam em antigas casas, perto de pracinhas e fundos de quintais, outros localizam-se na principal avenida da capital, a Prudente de Morais, que fecham as portas quando se retira o último freguês. Existem bares apropriados para uma conversa amena, troca de idéias e realização de negócios, assim como há locais onde o barulho impera por causa das possantes caixas de som que poluem o ambiente.
O bar da zuada, como é mais conhecido um dos locais mais populares entre os apreciadores de cervejas e cachaças, tem barulho, mas se conversa numa boa. A zuada é proveniente da gritaria peculiar a alguns boêmios seridoenses. Fica no chamado “triângulo das bermudas”, numa área que compreende a Avenida da Integração, Prudente de Morais e ruas Raposo Câmara e Cruz e Souza. Há outros “triângulos” etílicos no bairro, mas o Bar de Nequinho é conhecido pelos “altos decibéis” do vozerio dos caicoenses que baixam no terreiro de Sr. Neco, um homem muito paciente e cordato com a clientela. No “triângulo das bermudas” estão o Bar de Nequinho, de “seo” Chico, de Niel (Bar São Tomé), Bar da Tesoura, Bar de Lopes, Bar da Saideira, da expulsadeira, do violão e outros mais, além dos churrasquinhos.
Como qualquer bar brasileiro, as conversas giram sobre todos os assuntos e problemas possíveis e imaginários, os temas abordados podem mudar em questão de segundos e as fofocas sobre a vida alheia, política e futebol dominam as preferências. Não escapa ninguém. Os boateiros inveterados gostam de falar de quem está grávida (sem estar), de quem está fumando maconha ou traficando (sem procedências), de quem faliu, dos cornos, dos papudinhos em geral e dos que estão devendo nos bares. Assim como começa, essas conversas terminam sem nenhuma conclusão, sem brigas. Tudo numa boa, às vezes.
O conhecido bar do barulho cordial, o de Nequinho, se fala alto os principais temas do noticiário da mídia do dia. Quem está fora do fuzuê verbal, à primeira vista, pensa que o pau vai baixar, mas o dono, Nequinho, fica olhando e rindo. “È assim mesmo, já estou acostumado”, costuma dizer.
Não se pode esquecer dos cordelistas, poetas e contadores de histórias de vários matizes. Antonio Morais da Silva, quase nonagenário, natural de Caicó, freqüenta o Bar da Tesoura ( nome já diz tudo) e Antonio Severino Filho, paraibano, baixa no Bar de Chiquinho. O contador de histórias fantásticas Hermany Dantas, Toinho das Bolsas eCadinha são figuras do pedaço.
Antonio Severino quando está inspirado, sai do trivial. Indagado sobre quem era, ele respondeu: “Sou uma pessoa que adora uma caninha/para saciar os meus desejos/ seja Pitu, Carangueja/Cinqüenta e Um ou Rocinha/Começo de manhãzinha/vou até ao entardecer/bebendo para esquecer/sem nenhuma alacridade/durmo e sonho com a eternidade/mas sem pensar em morrer”. “Muito bem, poeta! Tome cinco”, grita um parceiro de birita.
No bar da Tesoura, a clientela é da 3ª idade, mas se joga baralho, se ouve Hortêncio Nóbrega cantar e tocar violão. Os caicoenses gostam muito de futebol. Antonio Morais da Silva fez uma trova envolvendo um jogo entre o Caicó Esporte Clube e o Atlético Clube Corinthians, intitulada A Raposa e o Galo. O mote: A raposa comeu o galo sem tirar nenhuma pena. Glosa: Pegamos pelo gargalo/em pleno Avelinão/ sem dó e sem compaixão/ a raposa comeu o galo./Aproveitando o embalo/naquela tarde serena/com tranqüilidade plena/já no começo do ano/o galo entrou pelo cano/sem tirar nenhuma pena”.
Candelária tem outros versejadores, como Sr. Massena, Bonifácio Soares (está no “estaleiro”, isto é, em tratamento de saúde), José Saldanha, André Batista, José Rego e Manuel Azevedo, vulgo Mané da Retreta, autor do “Cordel da Cachaça”, um misto de professor, músico e poeta, natural de Santana do Matos/RN.


Luiz Gonzaga Cortez é jornalista e pesquisador. É autor de livros publicados em Natal sobre integralismo e comunismo. O texto acima foi enviado por Cortez como colaboração a este blog, cujo titular, Jóis Alberto, desde já agradece publicamente a iniciativa, democratizando ainda mais este espaço na internet.

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