sábado, 22 de agosto de 2009

LITERATURA/Colaboração do escritor Gilfrancisco

O pesquisador e professor Gilfrancisco, um dos estudiosos do Modernismo Literário na Bahia, tenta há mais de quinze anos confirmar a naturalidade do poeta e romancista, Guilherme Freitas Dias Gomes, irmão do teatrólogo baiano Dias Gomes, que se consagrou como autor teatral em 1960, quando O Pagador de Promessas foi à cena pela primeira vez. O filme de mesmo nome, com roteiro de próprio autor, arrebatou a Palma de Ouro em Cannes, em 1962. Este pesquisador conversou por várias vezes com o historiador Waldir Freitas Oliveira e o saudoso acadêmico, Renato Berbert de Castro (1924-1999), pois havia dúvidas, se Guilherme teria nascido no Piauí, Rio Grande do Norte ou Salvador. Depois de muitas consultas, Gilfrancisco localizou o Cartório na cidade de Natal, mas não o livro de registro. Graças à intervenção e insistência da professora Maria Neide Sobral, da Universidade Federal de Sergipe, que se encontrava nesta cidade (Natal), realizando o doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foi possível localizá-lo num depósito do Cartório, a certidão de nascimento do poeta. (Do editor do blog)


Guilherme Dias Gomes
um rebelde potiguar na Bahia


GILFRANCISCO *

Guilherme Dias Gomes pertenceu à Academia dos Rebeldes, a qual foi fundada oficialmente em 26 de março de 1930, apesar da existência do grupo desde 1928. Faziam parte da agremiação o grande ensaísta e etnógrafo Edison de Souza Carneiro (1912-1972), o romancista , Jorge Amado de Faria (1912-2001), o grande poeta de Belmonte Sosígenes Marinho Costa (1901-1968), que apesar de viver distante em Ilhéus, sempre foi considerado do grupo, o poeta e depois dirigente comunista durante muitos anos, Áydano Pereira do Couto Ferraz (1914-1985), Raulino Walter da Silveira (1915-1970), o mais moço do grupo e fundador do Clube de Cinema da Bahia, em 1950, João de Castro Cordeiro (1905-1938), romancista e tão cedo desaparecido, Clovis Gonçalves Amorim (1912-1970), o sonetista piauiense, José Severiano da Costa Andrade (1906-1974), o poeta cronista José Alves Ribeiro (1909-1978), os poetas José Bastos (1905-1937) e De Souza Aguiar, o contista Oswaldo Dias da Costa (1907-1979), Otávio Moura e João Amado Pinheiro Viegas (1865-1937), patrono espiritual da Academia dos Rebeldes.

Os Rebeldes viviam em torno de Viegas e se reuniam diariamente no Café das Meninas e no Bar e Bilhar Brunswisck, para comentar os fatos triviais da cidade, os escândalos do bairro literário, e discutir os livros aparecidos e as revistas mais recentes. No início estavam mais ligados com as figuras populares: capoeiristas, malandros, estivadores, boêmios, prostitutas, gente simples da feira de Água de meninos e do mercado das Sete Portas, do que com a literatura propriamente, ou seja, sem muito ou nenhum peso intelectual na vida literária baiana.

Publicaram duas revistas: “Meridiano” (revista de vanguarda), dirigida por Alves Ribeiro, Da Costa Andrade e Jorge Amado, de divulgação dos “rebeldes”, foi publicada em setembro de 1929, um único número, o qual trazia o manifesto do grupo, e o “Momento”, 1931-1932 (mensário ilustrado informativo) dirigida por Emanuel Assemany, que circulou pela primeira vez em 15 de julho de 1931 e chegaria até o número nove, datada de julho de 1932.
Conforme certidão expedida pelo Tabelião Público do 1º Oficio de Notas (RN), em 17 de agosto de 2005, Guilherme Freitas Dias Gomes, nasceu no Rio Grande do Norte (em Natal) em 19 de fevereiro de 1912, filho legítimo de Maurílio Freire Pereira e de Alair Freitas Gomes, sendo seus avós paternos Manuel Dias Gomes e Clotilde Alves da Silva Gomes e maternos Alfredo Machado Freitas e Ambrozina Ribeiro de Freitas. O declarante da certidão foi o próprio pai, registro feito dois dias após seu nascimento. Segundo boletim escolar da Faculdade de Medicina da Bahia, Reg, nº115, consta que Guilherme Freitas Dias Gomes, era natural de Cachoeira, nascido em 24 de fevereiro de 1912, filho do engenheiro, construtor de estradas, Plínio Alves Dias Gomes, que faleceu em 1925 aos 44 anos, em Salvador e D. Alice Ribeiro de Freitas Gomes, ambos baianos da cidade de Cachoeira. Seu pai havia trabalhado na famosa Madeira-Mamoré (estrada de ferro), ferrovia com 336 km de Porto Velho a Guajará Mirim (RO), já desativada, construída em 1907-1912, em conseqüência do Tratado de Petrópolis com a Bolívia, que regulou a questão do Acre. Por esta região, ele morou durante vários anos no Amazonas e Rio Grande do Norte.

Para dirimir quaisquer dúvidas recorri ao arquivo do Colégio Estadual da Bahia – Central, onde Guilherme havia estudado entre os anos de 1924/1927, conforme boletim. Esta incumbência coube ao amigo Ângelo Barroso, professor da Faculdade de Formação de Professores de Alagoinhas – UNEB, que obteve informações da diretora, sobre as fichas individuais dos alunos da década de 20, que haviam sido extraviadas, com as constantes reformas no prédio e realocações dos arquivos. Restava-me apenas consultar o Cartório da cidade de Cachoeira (BA), baseando-me na ficha individual da Faculdade de Medicina da Bahia, que afirmava ser ele oriundo deste município baiano.

Valendo-me da amizade da cachoeirense Maria Raquel dos Reis Morais, chefe de Gabinete da Secretaria de Estado da Cultura de Sergipe (2006), solicitou ao Cartório local, situado no Fórum deste município, certidão de nascimento de Guilherme Freitas Dias Gomes. A confirmação fora dada imediatamente pela própria responsável pelo Cartório Civil, D. Leda, positivando a solicitação. Passados quinze dias, chega a resposta negativando a existência do registro em nome de Guilherme Freitas Dias Gomes. Finalmente, recorremos ao músico Alfredo Dias Gomes (RJ) filho do dramaturgo Dias Gomes, que forneceu o telefone de Célia (até aquele momento, ela era desconhecida por nós), filha do poeta Guilherme Freitas Dias Gomes, que nos passou informações preciosas para a reconstituição da sua biografia, além de enviar cópias do diploma da Faculdade de Medicina da Bahia, que omite o nome da mãe de Guilherme e dá 24 de fevereiro de 1912 como a data de nascimento, certidão de óbito e uma outra certidão retificando o registro quanto aos nomes dos pais de Guilherme, expedida pelo Tabelião Marback (BA) em 15 de outubro de 1934. Nesta certidão confirma ter Guilherme Freitas Dias Gomes, nascido em 24 de fevereiro de 1912, às 7 horas à Rua Frei Miguelinho, filho legitimo do Dr. Plínio Alves Dias Gomes e de D. Alice Freitas Gomes. Depois de vários anos de pesquisa e dúvidas, chegamos à conclusão de que Guilherme Freitas Dias Gomes, é de fato irmão de Alfredo Freitas Dias Gomes.

Ainda criança, Guilherme transferiu-se para a cidade do Salvador, juntamente com a família, para dar continuidade aos estudos, matriculando-se em 1924 no Ginásio da Bahia, para conclusão dos estudos secundários, onde permanece até 1927, quando prestou exames de vestibular na antiga Faculdade de Medicina da Bahia. Formado em Medicina, na Bahia, no ano de 1933, tendo colado grau em 7 de dezembro, Guilherme ingressou como médico no Exército, e por esse motivo fixou residência no Rio de Janeiro. Casou-se com Glória Beck Dias Gomes e faleceu em 8 de outubro de 1943 aos 32 anos, no Hospital Central do Exército, como primeiro tenente, vitima do impaludismo. Na época deixou dois filhos menores, Plínio Carlos, de dez meses e Célia de quatro anos, que atualmente vive no Rio de Janeiro.
Talentoso, responsável e aplicado nos estudos, Guilherme era o orgulho da família. Segundo seu amigo e companheiro de tertúlias Edison Carneiro, “era um dos poucos brasileiros que na época, aprendera alemão na Bahia. Sabia francês, inglês, espanhol, italiano e até se aventurou a estudar japonês e árabe. Com ele iniciei um curso de nagô com Martiniano do Bonfim. Morreu, há alguns anos, como oficial do Corpo do Exercito”.

Guilherme de Freitas Dias Gomes sabia várias línguas, era um estudioso e esse aprendizado lhe fora incutido pelo pai, que era muito severo e o obrigou a estudar em colégio alemão. Este idioma era uma das disciplinas por ele cursada no Secundário, onde obteve média 7 (sete). Segundo Dias Gomes “a família tinha ar de nobreza decadente, arruinada”, pois havia entre seus familiares descendentes de Teixeira de Freitas, que era primo de sua mãe e do Visconde e Marquês de Caravelas (José Joaquim Carneiro de Campos, 1768-1836), seu primo em terceiro grau. Guilherme era o irmão mais velho do teatrólogo baiano Alfredo de Freitas Dias Gomes (1922-1999), seu conselheiro e influenciador na adolescência. “Comecei a escrever para igualar-me a ele. Hoje, acho que fatalmente seria um escritor porque nunca descobri em mim aptidão para qualquer outra atividade. Mas as minhas primeiras experiências literárias foram determinadas pelo desejo de imitar meu irmão”. Dias Gomes começou a escrever muito cedo, aos 9 anos. O poeta Guilherme colaborou na revista “O Momento”, “Etc”, e “O Estado da Bahia”, deixando inédito o romance “Mercado Modelo”.

Sobre este romance, cujos originais se encontram em poder do historiador Waldir Freitas Oliveira, mereceu um comentário do amigo Edison Carneiro em 1935: “O romance de Guilherme Dias Gomes, “Mercado Modelo”, fica limitado pelos muros da cidade. Explora a vida dos humildes, dos desprotegidos da sorte, tanto dos proletários, como a negra Brasilina, neta de escravos, quanto também do pequeno burguês que, em virtude das altas e baixas do capitalismo, como Belizário Portela se proletarizou. E se sucedem, através do romance, as cenas de ternuras e de revolta, e a multidão dos tipos criados pelos antagonismos das classes sociais, - a cafetina, o coronel, a prostituta, o traidor do socialismo, o ladrão, o propagandista, o rebelde. São cenas pegadas ao vivo, com a marca registrada dos fatos diários. E, dominando tudo, estar o Mercado Modelo, casarão infecto onde a gente mais heteróclita do mundo se acotovela na luta pela vida, vendendo, xingando, suando e alimentando o mesmo ódio sagrado pela classe exploradora”.


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5 Poemas de Guilherme Freitas Dias Gomes
(1912-1943)


1. Poema das Mãos

Há poemas inteiros no côncavo das mãos:
Na angústia milenar das falanges lendárias
pela ânsia de agarrar o mais puro e mais alto;
na palma aveludada das mãos que acariciam,
mãos de noiva...

Nas mãos gordas de bebê, leite e seda rodada
com pedaços de luz na carne perfumando;
na mão que anseia e na que renuncia,
há poemas de dor em versos de agonia.

Quanta angústia nas mãos descarnadas do mendigo
que morre à fome, exangue, nas estradas,
e o sol encontra em crispações nervosas,
no horror das ultimas geadas!

E nas mãos negras do assassino,
pálidas, escorrendo
longos fios de sangue pelos dedos!

Quantos poemas
no prestigio das mãos esguias que dançam no teclado,
despetalando sons pelo silêncio:

Oh. O mágico fascínio das mãos longas de a lista
que bordam lentamente,
no coração da gente.
a arabescada doida de belezas bizarras
com a lã policromia das nuvens do poente!

e quando
sentindo em si as desgraças alheias!
nas mãos do pobre, pelos dedos rolos.
deixais cair moedas a mancheias...

Mas vos adoro sobretudo, ó mãos!,
nas crispações violentas dos gestos de revolta

(Salvador. Etc. Ano VII. nº216, 15.jul.1933.)


2. Gargalhada

Solta do peito os Iguaçus do riso
cascateando em borbotões sonoros.
O próprio sol é um gargalhar de lua
e na acácia do jardim,
florida,
os mil milhões de flores
são mil milhões de gargalhadas d’oiro
num desperdício fantástico de vida!...

Traze sempre contigo, o sol de uma gargalhada
e um riso amigo para as misérias todas
e a sombra da tristeza fugirá da estrada,
quando gargalhares tua gargalhada,
numa alegria festiva! De bodas!

(Salvador. Etc. Ano VII nº218. 15. ago. 1933).


3. O Teu Poema

Quisera que este poema
fosse o teu poema.
Que tivesse perfumes esquisitos
estonteantes
das matas verdes da minha terra,
das noites de luar da minha terra.
Quisera que este fosse o teu poema,
Que eu fizesse com raios de sol
e braçadas de flores,
onde cantasse o hino das manhãs radiosas,
Onde todos os pássaros cantassem
e cantassem todos os cantares
as toadas macias da minha terra.
Quisera por nestes versos todos os diamantes
dos garimpos inotos de minh’alma,
todos os instantes
felizes da minha vida
e oferecer de joelhos
a ti a Deusa dos cabelos revoltos
a minha Deusa.
Então
para bordar estes teus versos
faria viagens arrojadas
por paises diversos,
gastaria somas fabulosas
na descoberta de minas inexploradas
de ouro puro.
Mergulhadores desceriam à procura de pérolas.
Caravanas vistosas
levariam meses trazendo todas as riquezas
todas as belezas,
que eu desejaria incrustar no teu poema.
Mas vejo que é inútil o meu esforço,
inútil a minha tortura
(a cidade do sonho tem ruas de amargura),
teu poema está condenado a não sair de min mesmo,
a morrer na garganta
balbuciante
com a tristeza das flores que não desabrocharam
e dos versos que não foram ditos...

(Salvador. Etc. Ano VII. nº219. 31.ago.1933).


4. Avião

O avião parece
Uma abelha rútila de aço
Aflita por pegar o sol,
Que é uma rosa de fogo
Transplantada no espaço.

Zumbe, trepida, na ânsia de alcançar
A corola de luz para sugar.

Avião!
Pareces bem o coração da gente
Lutando para beijar o sol
eternamente!
Inutilmente.


(Salvador. O Momento. Ano I, nº5, 15. nov. 1931).



5. A Minha bailarina


Minha bailarina loira, alvíssima de neve!
Que vejo em meio às gambiarras,
A tecer arabecos em passos lentos,
E leve, bem leve,
Me põe na vida por alguns momentos
A alegria inquieta das cigarras...

Minha bailarina loira, alvissima de neve!
Que sempre vejo em sonho, noite alta.
Olhos verdes de mar
Perdidos a cismar.
A refletir as luzes da ribalta...


(*) GILFRANCISCO: jornalista, professor da Pós Graduação da Faculdade São Luis de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Publicou: “Gregório de Mattos, o boca de todos os santos”; “Crônicas & Poemas Recolhidos de Sosígenes Costa”; “Flor em Rochedo Rubro: o poeta Enoch Santiago Filhos”; “Godofredo Filho & o Modernismo na Bahia”; “Poemas de Enoch Santiago Filho”; “O poeta Arthur de Salles em Sergipe”; “Imprensa Alternativa & poesia marginal, anos 70”; “Tragédia:Vladimir Maiakóvski”, “Musa Capenga – poemas de Edison Carneiro”, “O contista Renato Mazze Luca”, “A romancista Alina Paim”, “Instrumentos e Ofício: inéditos de Carlos Sampaio”, “Jacinta Passos: a busca da poesia”.

E mail gilfrancisco.santos@gmail.com

POESIA – Um poema de Castro Alves

O “adeus” de Teresa

Castro Alves


A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus...
E amamos juntos... E depois na sala
“Adeus” eu disse-lhe a tremer co´a fala...

E ela, corando, murmurou-me: “adeus”

Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saía um cavalheiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!
“Adeus” lhe disse conservando-a presa...

E ela entre beijos murmurou-me: “adeus!”

Passaram tempos... sec´los de delírio
Prazeres divinais... gozos do Empíreo...
...Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse – “Voltarei!... descansa!...”
Ela, chorando mais que uma criança,

Ela em soluções murmurou-me: “adeus!”

Quando voltei... era o palácio em festa!...
E a voz d´Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!...

E ela arquejando murmurou-me: “adeus”

(Poesias completas, São Paulo, Nacional, 1959. In: “Literatura Produção de Textos & Gramática”, de Samira Youssef Campedelli e Jésus Barbosa Souza).